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13/06/2015

RESENHA: Roça'n Roll 2015

Varginha. A cada ano, a cidade encrustada ao sul das Minas Gerais garante-nos dias de glória sonora, fornece as bases para que o Metal no Estado injete força em mais uma página da sua História e forja longevos laços de amizade entre seus adeptos, apertando-os ao longo de cada nova edição. Se por um lado esta, que já é a 17ª, iniciou seu dia principal sob a égide do cancelamento do Vader, fato cujas reclamações e lamentos ainda eram possíveis de serem ouvidas na fila de entrada, por outro, mostrou um enorme poder de reinvenção ao engrossar o caldo Death convidando o Krisiun a substituir os polacos e, assim, não deixar desguarnecido o posto do estilo no seu já tradicional multipolarizado cast principal. Enfim, uma boa jogada!

Os falantes da Tenda Combate já perpetravam ruidosos cânticos quando os escalados da capital mineira para abrir os trabalhos em um dos palcos principais tomaram lugar e sovaram a audiência com o mix de influências que passeavam do Punk/Hardcore ao Grind/Crust cantados em língua pátria. Aliás, ainda sobre a Tenda Combate, deu pra notar uma homogeneidade maior de propostas das bandas em contraste com o que viria ao longo do dia nos palcos principais. Quem esteve lá pôde testemunhar o que provavelmente pode ser descrito como uma tentativa de emular o Sétimo Círculo do Inferno. Senão, vejamos: um espaço exíguo para a audiência extrema que se aglomerava embaixo da tenda e que, em movimento frenético, sob a pressão do mosh, do calor e do alto volume do som, umedecia o ambiente e calcinava qualquer indício de razão. Sauna metálica: checked!

Mas, eu já falava sobre o palco principal, certo? Perdão pelas idas e vindas. Os belo-horizontinos do Rastros de Ódio (que, aliás, é também o nome em português de um puta faroeste bom do John Ford de 1956, que, no original, chama-se “The Searchers”), ainda que detonando um som que em nada denunciava o seu pouco tempo de estrada – a banda foi formada em 2012 –, encontrou no palco principal um inimigo. Pode ter sido o lance de abrir, de repente, que sempre cobra como preço uma adesão mais acanhada. A banda é boa, estava visivelmente empolgada e as faixas funcionam bem ao vivo, sobretudo as do EP “Bem vindos ao Brasil”. Não que a formação fosse incipiente, mas decerto o show teria sido outro em um espaço como o da Tenda Combate.

Keeping it extreme, keeping it pão de queijo, o divinopolitano Necrobiotic foi quem destilou as faixas que brindaram os ouvidos dos presentes ao evento àquele momento – e quem já foi ao Roça sabe que pessoas chegando durante as apresentações são uma constante até lá pela terceira ou quarta banda principal e que tal continua, embora em ritmo bem menor, ao longo do evento. Tive o imenso prazer de cobrir um show "necrobiótico" em Conselheiro Lafaiete há poucos meses, no Rising Metal Fest, para este mesmo veículo, de forma que as considerações feitas na resenha sobre a apresentação da banda para o Rising podem se estender quase que completamente para cá: “Já aquecida pelo show anterior, a audiência se entregou ao mosh e bateu cabeça embalada principalmente pelas competentes faixas do segundo álbum dos caras, Death Metal Machine, lançado em 2014. É notória a tradição mineira nesta mescla entre o Thrash e o Death Metal, com algumas formações privilegiando um estilo em detrimento ao outro no amálgama que resulta da mistura que promovem. Bem, as incursões do Necrobiotic no terreno Thrash são sutis, funcionando como um tempero extremamente bem dosado, que deixa o Death tradicionalíssimo por eles executado emanando uma marcante personalidade. Ou o show foi curto, ou foi bom demais, o caso é que deu vontade de ouvi-los esmerilhando os seus respectivos instrumentos em pelo menos mais umas cinco faixas.” Ratifico, então, a impressão inicial: ao vivo os caras arregaçam e o disco é foda! Dá pra dizer que eles se saem bem tanto no palco grande quanto em espaços menores, inclusive. A única zica era o solzão claro esparramado no céu e que em nada tinha a ver com o som escuro dos veteranos mineiros.

Depois de duas atrações mineiras, hora de conferir o que os outros estados têm pra nos mostrar, certo? Ainda não. Talvez até fosse, se não tivesse tanto som bom sendo produzido aqui em Minas. Sendo assim, continuemos com o panorama da música pesada do Estado, agora adentrando o terreno do Viking Metal. Aqui, preciso abrir um parêntese: eu tenho certo pudor de utilizar o termo Folk Metal para emoldurar o som levado a cabo pelo Hagbard – banda da qual tratamos aqui – e por bandas com propostas análogas. Se pensarmos que o termo ‘folk’ deriva de folclore e é larga e amplamente utilizado para definir formações tão díspares quanto – apenas para ficarmos na relação do cast desse ano – Hagbard e Tuatha de Danann, então eu sou forçado a acreditar que a principal função dos rótulos sonoros, qual seja, precisar em que bases se firma o som de uma banda, não está sendo cumprida. De fato, rotular um grupamento como Folk Metal hoje em dia é impreciso, e mais confunde que explica, haja vista cada país ter seu folclore próprio e ele diferir sistematicamente de um país para o outro. Feito esse apêndice, ocupemo-nos das impressões sobre o show. O momento é bastante favorável à formação de Juiz de Fora, que vem colhendo o reconhecimento justo e merecido pelas sementes plantadas com o seu trabalho, que cresce e se desenvolve a olhos nus. No segmento em que aposta as suas fichas, dá pra dizer que é a banda mais bem sucedida do Brasil, até. Fica difícil não destacar “March to Glory” e “Rasputin”, o já tradicional cover de Turisas que, via de regra, movimenta a galera e evidencia uma das grandes influências do quinteto da Zona da Mata. Aliás, pra quem é aqui da região e já tem PhD em shows do Hagbard, deu um choque muito estranho ver os caras tocando assim, de dia e open air. Mas, eles se saíram bem fora do seu elemento natural!

Misoginia e muita pose deram a tônica na apresentação seguinte, em que a Mattilha mostrou com um rock básico e por isso mesmo contagiante como não escrever letras. Ok, daremos um desconto pra “Filhos da Pompéia” pelo conjunto, apesar do refrão lançar mão daquele manjado recurso de apenas repetir algo, nesse caso, o nome da música. Pelo menos nela não há os lamentáveis clichês do macho-alfa-adolescente-beirando-os-quarenta: machismo, bebida, sexo e diversão. Sabe o que é foda de precisar pichar a banda em função dessas opções infantilóides? É que o som é bacana. Na veia, rockão sem firula, direto, energético. O vocal do Gabriel Martins ao vivo é até mais dosado que no disco, em que a união dos tons altos com os drives torna a audição cansativa já na terceira faixa. Mas, ao vivo funciona bem! Agora, falta crescer um bocado e rever essa postura imatura de filhote rocker do Matanza. E não é pra fingir também. Se essa é a verdade da banda, sinto muito, mas ela precisa de uma verdade melhor. Eis uma noção muito distorcida de atitude, numa boa. Tomando uma cerveja, no meio de uma fazenda, cercado de amigos, passa. Mas, pra comprar o CD e causar empatia, é uma boa retrabalhar esse conceito aí.

Ainda sobre posturas controvertidas, subiu ao palco o Worst. Aqui, talvez a maior controvérsia fosse por conta do seu merchandising, como o modelo de camisa que conclama “Proteja a sua Família” e ilustra, atrás, diversas armas de fogo e uma bandeira de São Paulo. Ou ainda, outro modelo, com os singelos dizeres “Não acredito em Justiça Divina, você tem mais é que se foder” e a foto de alguém empunhando uma arma com as duas mãos, situando politicamente em que seara a banda se localiza. Não, não era só isso! As letras são panfletárias daquele estilo de vida “resolvo-tudo-no-braço”, “bandido-bom-é-bandido-morto” e quetais, o que credenciaria a banda a ser um bizarro amálgama entre o Biohazard e o Jair Bolsonaro. Sim, porque se o que vem à cabeça quase instantaneamente no aspecto sonoro é o Hardcore nova-iorquino que a zaga forte do Evan Seinfeld e do Billy Graziadei manda circa 1987, é de se acreditar que as letras foram forjadas tomando como base os discursos do parlamentar de extrema direita brasileiro. O problema de som panfletário demais é cansar o ouvinte com a massificação das ideias, sejam políticas, religiosas, de estilo de vida ou do que quer que seja, independente da anuência ou não do ouvinte com a “causa”. Chega uma hora que satura. E talentos absurdos como o do Fernando Schaefer, por exemplo, acabam soterrados em meio à propaganda musicada. Os adeptos desse tipo de som não tiveram, contudo, razão que não fosse essa para reclamar. Como músicos, total domínio dos instrumentos. O campo das ideias é que se mostrou nebuloso, o que foi potencializado pelas declarações confusas e persecutórias do vocalista próximo ao fim do show e pela opção do português para as composições. Por sinal, esta era já a quarta apresentação do dia no palco principal e a terceira cuja opção era por expressar-se em português. O idioma de Camões parece andar em alta, afinal.

Um dos shows mais aguardados da noite, o legendário Dark Avenger proporcionou aos presentes uma histórica apresentação, desfiando clássico atrás de clássico do rol de hinos que fez a fama do agora sexteto candango quando ainda era um quinteto. É difícil descrever com precisão e distanciamento o que se desenrolou nesta apresentação, em que eu estava praticamente integrado à equipe, vendo tudo de cima do palco, acompanhando, curtindo, cantando junto, tirando foto, pedindo música, trocando ideia e, para a minha surpresa, tendo sido chamado pelo Mário Linhares para cantar junto o encore – Morgana – que eu aguardava ansiosamente e que, junto à Letícia, que conheci no backstage, me prontifiquei a não deixar a banda descer enquanto não tocasse. Ok, há certo exagero na última sentença, mas, como eu disse, sem a possibilidade de distanciamento, foi o que pareceu. E o show foi antológico!!! Heavy Metal puro, em estado bruto, sem técnica demasiada, tocado com paixão e desenvoltura. Quase 20 anos separavam a primeira apresentação que eu conferi dos caras, então uma banda desconhecida para mim abrindo pro Mercyful Fate e pro King Diamond na extinta casa de shows Highlander, em São Paulo. Foi histórico! Guardadas as devidas proporções e contando com a presença apenas do Mário egresso daquela formação, o que o Roça viu foi tão histórico quanto! Um show pra emoldurar na parede da memória e sentir na mesma proporção de assistir.

Com a costumeira tranquilidade de quem conhece cada palmo do “quintal de casa”, o Tuatha de Danann tomou lugar para praticar o Celtic Folk responsável por fisgar os espectadores e transmutá-los em bardos fazendo coro às famosas e tradicionais canções dos donos do pedaço. Tudo estava no lugar, exceto por Varginha tornar-se uma filial da Irlanda na Idade Média nessas horas, com aldeões e camponeses em vilegiatura metálica, caçando potes de ouro ao final de cada canção (e, sabendo ouvir direito, dava até pra encontrar). Era isso, as regras normais de tempo e espaço não se aplicam a um show do Tuatha, quem conhece, sabe. E canta, e dança, e celebra junto, como deve ser. Foi o que aconteceu! O show tomou de assalto os presentes, agitados pelas melodias medievais e pelos arranjos não-usuais. As faixas do disco novo integraram-se perfeitamente às antigas, como se não tivesse passado tanto tempo sem que lançassem material. Show de primeira, arrebatador, certeiro! Um bom momento. O destaque, pedido sofregamente pela plateia do começo ao fim da apresentação, como não poderia deixar de ser, fica com “Finganforn”, sempre muito festejada! Devem ser os ETs...

A esta altura, em meio a tantos momentos distintos e apresentações as mais diversificadas, pudemos conferir um show que decerto surpreendeu mesmo aqueles que tinham expectativas nas alturas: o Cálix. A formação, de Belo Horizonte, executa um competentíssimo Prog Rock em que a flauta de Renato Savassi tem magistral destaque, por vezes lembrando o velho Jethro Tull em seus momentos mais inspirados. Com muita sinceridade, foi daqueles shows de converter simpatizantes em fãs, tal o esmero com que as faixas foram executadas. Muito embora o peso não tenha sido a tônica da apresentação – a banda chega mesmo a se definir como MPB (!!!) –, tudo o que as pessoas necessitavam para viajar no som do Cálix era poder de imersão e bom gosto musical. Dotados de ambos os predicados se refestelaram e presenciaram um showzaço de versatilidade e talentos individuais a serviço da musicalidade conjunta. Bonito de ver em qualquer gênero!

E o que dizer da atração seguinte, os suecos do Pain of Salvation? Eis a medida exata do que se pode chamar de um show difícil. Praticante de um Prog Metal com acentuada dose de experimentalismo, pitadas de Indie Rock e estrutura intrincada, a formação fez um bom show, mas foi vítima principalmente da própria esquisitice. Explico: a proposta "difícil" descrita acima foi a grande responsável por tornar o Pain of Salvation uma banda à qual nunca foi conferida notoriedade. Todo mundo decerto já ouviu falar na banda, conhece alguma música, já leu uma ou outra entrevista, mas... só! Encontrar alguém que se considere fã mesmo, de conhecer todos os álbuns, decorar refrãos (quando existem), os nomes dos músicos e tudo mais, aí sim é tarefa um tanto complicada. Porque, ainda que bem executada, a proposta não é nem um pouco popular. A presença de palco limitada, para usar um eufemismo, também não ajudou muito no saldo final da equação. Quem entrou na dança já disposto a falar bem, falou, mas falou já consciente de ser minoria. E, verdade seja dita, ainda que não tivessem o necessário apelo para serem sucesso, as músicas foram precisas e a equalização, de modo geral, foi extremamente apurada, com todos os instrumentos aparecendo nítidos. Ou seja, um show em cima, mas para um público bastante específico e restrito.

Em cima do palco, os gaúchos substitutos do Vader fizeram valer o "power" do termo power trio. Esmigalhadores de pescoço contumazes, Alex Camargo e os irmãos Kolesne fizeram barulho e a alegria dos vendedores de colares cervicais, ortopedistas e quiropratas que, em um país justo, decerto deveriam patrociná-los. O massacre sonoro focou as faixas do "Conquerors of Armageddon", mas isso não os impediu de tocarem, por exemplo, uma faixa inédita (e, segundo eles, executada ao vivo pela primeira vez), a integrar o próximo play da banda, provisoriamente intitulado  "Forged in Fury". É absurdo o quanto apenas três pessoas conseguem com sua proposta dura, ríspida e sem concessões. Não é de se admirar que tenham se tornado referência internacional e principal nome do país no estilo. Humildade para uma banda neste nível e um fôlego-monstro foi o que se viu. E, ainda assim, de relance, em meio ao incessante headbanging!

Se o cansaço pela sequência de apresentações já era visível nos menos experimentados, após o show do Krisiun ele beirava a patologia e foi mesmo necessária uma dose extra de heroísmo para permanecer atento ao que rolava, no que as providenciais mudanças de palco ajudavam um pouco. Oriunda de Niterói, a Facção Caipira foi quem recebeu a incumbência de suceder os zoeirentos sulistas e o fez com competência e dignidade. A mistura de Blues e Rock'n'Roll raiz com vocal em português, harmônica bem colocada e andamentos que muitas vezes nos remetem ao Country Rock soou honesta e descompromissada, com acordes que, se não podem ser chamados de originais, ao menos esbanjam eficiência no que se propõem. Muitos eram os guerreiros já abatidos quando da performance dos fluminenses, o que os deixou com bem menos público do que mereciam para divulgar as faixas do já gravado mas ainda não lançado "Homem Bom". Porém, ainda que em número a audiência fosse modesta se comparada à do show anterior, ela se mostrou receptiva.

Entre mortos, feridos, sobreviventes e combalidos, ficamos impossibilitados de conferir as performances dos brasilienses do Mork e dos paulenses do Rural Willys; os primeiros, adeptos do Black Metal e, os segundos, do Blues Rock. A se lamentar, pois alguns dos presentes disseram que permanecer no local após as emoções esfuziantes do correr do dia intenso e visceral foi uma ousadia devidamente recompensada. Acredito o suficiente para estar de volta ano que vem, com outros shows, talvez outras companhias, disposição renovada, mas sempre um mesmo sentimento: já não dá pra não ir ao Roça'n'Roll. Que venha logo a maioridade alienígena!!!





Resenha: Vinnie Bressan | Fotos: Paty Freitas

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