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14/09/2017

Entrevista: Cangaço (Brasil)


A entrevista de hoje é com a banda pernambucana Cangaço, que mistura o peso do metal com elementos da música tradicional nordestina. A banda atualmente é formada por Rafael Cadena (voz e guitarra), Magno Barbosa (voz e baixo) e Mek Natividade (bateria). A banda falou um pouco sobre a sua história, a cena metal no nordeste, apresentação no show no wacken open air e muito mais, confiram: 

EC -  Primeiramente gostaria de agradecer por terem aceitado realizar a entrevista para o Elegia e Canto. Vocês poderiam falar um pouco como surgiu a ideia de formarem o Cangaço?
A ideia veio de forma bastante natural. Eu (Rafael) e Magno tínhamos uma banda chamada Vectrus, que fazia um Death/Thrash com bastante influência do Metal Progressivo. A partir de um momento fomos experimentando colocar elementos da música nordestina de forma empírica, inspirados em muitos artistas locais de música regional. Quando vimos que estava ficando interessante abandonamos o nome Vectrus para optar por algo que casasse com a proposta que acabava de nascer. Depois de conversarmos muito, chegamos no nome Cangaço.


EC - Vocês acreditam que exista, alguma diferença de ter uma banda de metal do nordeste para os outros cantos do Brasil? Poderiam falar um pouco também, de como é a cena underground de Recife?
Acreditamos que cada lugar do mundo tem uma peculiaridade que casa com a matriz que é o Metal. A própria música conhecida como nordestina é um caldeirão de influências de diferentes povos e culturas: mouros, europeus, africanos e nativos-americanos. Através do tempo e naturalmente com o processo de globalização, a mistura foi se tornando mais homogênea e virando uma coisa nova, que traz uma atmosfera e cenário dimensional próprios. Fazer Metal com música nordestina para nós é quase uma necessidade, um instinto.
A cena em Recife sempre foi bastante ativa, sempre com bandas novas aparecendo, dos mais diferentes estilos e cheias de competência. Desde o início da década de 80 existem bandas de Metal na cidade como o The Ax, Cruor, Herdeiros de Lúcifer e Fire Worshipers. Atualmente, nunca vimos tantas bandas produzindo material de qualidade ao mesmo tempo, alguns dos muitos exemplos: Terra Prima, Elizabethan Walpurga, Matakabra, Desalma, Hatembrace, Monticelli entre muitas outras. Além disso, o underground nunca esteve tão visível e acessível, muitas vezes se confundindo com o “upground”, e isso é bom.


EC - A banda faz parte do movimento "Levante do Metal Nativo". Vocês poderiam falar qual é o objetivo desse levante? E qual a importância do mesmo para o Cangaço?

O objetivo é reunir bandas de Metal que tenham em comum em sua proposta artística a exploração e valorização da cultura brasileira em suas canções. Seja lírica ou musicalmente. É de grande importância para nós pelo intercâmbio com bandas de diferentes partes do país que têm a mentalidade afim com a nossa. As bandas se ajudam, se apoiam e acima de tudo, aprendem bastante umas com as outras. Além disso, ajuda ao público que se interessa pelo aspecto antropológico que o Metal mostra dando um leque de possibilidades que a arte pode se desdobrar ao mesmo tempo que responde a uma matriz em comum, o Metal.


EC - Em 2010 a banda lançou seus primeiros trabalhos as demos "Cangaço" e "Parabelo". Já apresentando uma das suas principais características a união do metal extremo com a música tradicional nordestina, criando realmente algo único. Normalmente bandas que utilizam de elementos tradicionais da sua cultura são rotuladas como "folk metal", vocês acham que esse termo se encaixa na proposta do Cangaço?  E como classificariam a sonoridade da banda?

A palavra folk, apesar de ligar-se ao folclore, ou cultura popular, está comumente associada à música tradicional europeia. No entanto, se abordado a etimologia e raiz semântica da palavra, podemos sim nos identificar com o rótulo, pois bebemos bastante da fonte da cultura e tradição popular do local onde nascemos e compartilhar essa atmosfera com o Metal flui muito naturalmente no nosso processo. Entretanto, para ficar mais próximo de nós, podemos batizar de Metal Armorial, sugestão de nosso amigo e grande jornalista, Wilfred Gadêlha.


EC - Também em 2010, o Cangaço foi o representante nacional no W.O.A Battle Metal na Alemanha, concorrente com centenas de bandas nacionais. Como foi a experiência de tocar no Wacken logo no início da carreira? E como esse fato foi importante para banda?

Serviu de grande aprendizado e presente do universo. Tocávamos juntos há sete anos quando a oportunidade do Metal Battle surgiu, coincidindo exatamente com a mudança do nome da banda para Cangaço, na verdade poucos meses depois. Ou seja, para nós ficou claro o caminho mais certo a ser seguido e o reconhecimento da imprensa e público apenas ratificou essa impressão. A banda até hoje colhe os frutos desse feito e o principal efeito foi a confiança que a própria banda criou em seguir firme na proposta da valorização da cultura nordestina.


EC - Em 2011 vocês lançaram o EP "Positivo", dessa vez com a maioria das músicas em português. Confesso que conheci a Cangaço a uns anos atrás através desse EP,  é o impacto de ouvir músicas como "Al Rasif" e "Deserto do Real", cantadas em português é incrível! Não devendo absolutamente nada para bandas gringas. Porque decidiram gravar canções em português? E quais são as fontes de inspiração para as letras das músicas do Cangaço?

A mudança das letras apenas refletiu o processo de valorização da cultura nacional que havia começado nas músicas. Tomamos a consciência nos primeiros anos da banda que nosso público alvo é o brasileiro, ou seja, nada mais natural que cantar no dialeto que facilite a identificação e fortalecimento da nossa identidade. As letras têm as mais diferentes influências, dependendo do tema que abordam: Iron Maiden, Lenine, Elomar Figueira Melo, Zé Ramalho, Pedro Luís, Gojira e diversos outros poetas.


EC - O primeiro álbum da banda "Rastros" foi lançado em 2013. Vocês trabalharam em algum conceito específico no álbum? Ele conseguiu corresponder as expectativas de vocês?

Apesar das demos e do EP anteriores, sentíamos falta de um marco que deixasse claro o início da banda. Foi esse o conceito que iniciou a produção do disco, um álbum para chamar de primeiro que reuniu composições de todas as fases da banda até então. O nome é uma referência histórica à forma como os cangaceiros se importavam e sabiam lidar com os rastros que deixavam na caatinga, demonstrando grande conhecimento da região, da mente de quem os seguia e acima de tudo, de si mesmos. E sim, correspondeu às expectativas, pois na verdade não tínhamos muita expectativa.


EC - Observando o site da banda eu vi que vocês disponibilizaram todos os seus trabalhos,  para o público ouvir on-line e baixar gratuitamente. Porque optaram por fazerem isso? E para vocês, qual o papel da internet para uma banda independente?

Tudo que conseguimos com a banda foi graças à internet e às redes sociais. Nós mesmos enquanto consumidores de música, baixamos e ouvimos música online, nada mais justo do que oferecer isso facilmente a quem deseja nos ouvir. A música e o entretenimento em geral estão em meio à uma revolução e a forma de financiamento também está em desconstrução. Hoje observamos uma maior valorização do show em relação à música gravada, a experiência insubstituível e não simulável. 


EC - Em 2016 vocês retornaram a São Paulo para participarem do tradicional festival BMU. Vocês representaram o Levante do Metal Nativo, na edição comemorativa de 10 anos do festival em sua 10° edição. Como foi essa experiência de participarem do festival? Na ocasião vocês anunciaram que estavam gravando o primeiro DVD da banda, poderiam adiantar mais detalhes sobre?

Foi incrível participar do BMU. Richard Navarro, o produtor do evento, é um cara muito organizado e conseguiu conduzir o evento de uma forma impecável. Tudo extremamente pontual, todas bandas foram tratadas de forma igual e tiveram acesso ao melhor do que tinha no palco. Foi uma experiência memorável. Sobre o projeto do DVD nós decidimos engavetar por enquanto para focar no material novo. No momento estamos concentrando todos os esforços para isso. E achamos que vai surpreender!


EC - Para comemoração o Dia Mundial do Rock, o Cangaço realizou um show no Templo do Frevo, com a participação especial do Vinicius de Farias na sanfona. Como foi a experiência de tocar as músicas do Cangaço em conjunto da sanfona? Vocês estão trabalhando em um novo álbum? Pretendem utilizar a sanfona em futuros trabalhos?

Uma vontade existente desde o início da banda, juntar o Metal que fazemos à sonoridade da sanfona, instrumento emblemático e quase sagrado para o nordestino. Nunca tínhamos achado alguém que dominasse o instrumento e fosse corajoso o suficiente para topar incrementá-lo no Metal extremo. Vinícius conversou com Rafael no show do Amon Amarth que houve em Recife e eu (Magno), o havia encontrado anteriormente num show de Elomar. Ou seja, o mesmo cara em dois shows tão diferentes entre si e ao mesmo tempo parecidos com o Cangaço foi um sinal para convidá-lo para alguns ensaios que deram origem à sua participação no show do Paço do Frevo, em outro show em Salgado-SE e para a produção do novo disco.


EC - Novamente gostaria de agradecer por terem aceitado realizar a entrevista para o Elegia e Canto, e espero poder vê-los em breve aqui no Rio de Janeiro. Vocês poderiam deixar uma mensagem para os nossos leitores?

Nós que agradecemos de todo coração à entrevista, muito gratos pelas perguntas e pela coragem de fazer imprensa no meio do Metal. Ainda não tocamos no Rio mas recebemos diversas manifestações de desejo do público para tocar por aí. É uma cidade de importância cabalística para a formação do brasileiro enquanto povo e apenas esperamos ansiosos a oportunidade acontecer de tocarmos aí e compartilhar nossos presentes. Muita gratidão, força, coragem e fé (em qualquer coisa!)




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