14/06/2017

ENTREVISTA: Miasthenia (Brasil)

 Miasthenia uma das principais bandas de metal extremo do Brasil

Da esquerda para direita: V. Digger (bateria). Hécate (vocais e teclados) e Thormianak (guitarra)
Completando 23 anos de carreira o Miasthenia, com o seu som único e uma temática voltada para a história e cultura dos povos antigos da América, se confirma como uma das mais importantes bandas de metal extremo do Brasil. Recentemente a banda lançou seu quinto álbum o "Antípodas" e para falar um pouco sobre a história da banda e o novo álbum, a vocalista/tecladista membra fundadora da banda Hécate concedeu uma entrevista exclusiva para o Elegia e Canto, vamos conferir.

EC - Primeiramente gostaria de lhe agradecer Hécate por aceitar realizar a entrevista para o Elegia e Canto. E parabéns ao Miasthenia, que esse ano completa 23 anos na estrada. Como foi o processo de formação da banda e porque a escolha de cantarem em português?
Hécate – O Miasthenia teve início em fevereiro de 1994, na época eu tocava guitarra e me juntei com Vlad (Baixo e Vocal) e Mictlantecutli (Bateria) com a proposta de fazer sons em uma linha Black Pagan Metal com letras em português, porque queríamos soar mais diretos em nossa língua e cultura. Acreditamos que a linguagem é parte fundamental de nossa expressão e identidade. E levamos isso como um desafio para a proposta do Miasthenia. 

EC - Um dos aspectos que diferencia o Miasthenia das outras bandas de Black Metal é a sua temática. O que é algo interessante, pois pessoas que muitas vezes não são familiarizadas com o metal extremo, podem se interessar pela banda por causa das suas letras. Eu mesma sou uma dessas pessoas, as letras e a sonoridade do Miasthenia, mudaram minha forma de enxergar o metal extremo, agradeço a banda por isso. Então, como surgiu a ideia de falarem sobre a história ecultura dos povos da América Pré-Colombiana em suas músicas?
Hécate– Fantástico! Se isso mudou sua forma de enxergar o metal extremo é porque de fato surtiu o efeito que tanto almejei no metal extremo, e isso é um reconhecimento do longo e persistente esforço no sentido de buscar uma inspiração num passado longínquo. Assim como cantar em português, a temática sobre cultura e história pré-colombiana faz parte desse projeto identitário do Miasthenia. De alguma forma isso vem também por influencia de bandas de Black Metal europeias, como o Bathory, que escutávamos no início dos anos noventa. Havia um movimento no sentido de entender aquilo que havia sido amplamente demonizado pela cultura cristã, concebido como satânico, repudiado, negado e perseguido. Muito mais do que religiosidade/espiritualidade o que está em jogo nessas concepções é o poder e o desejo de dominar aquilo que é diferente e que escapa às regras e padrões de comportamentos. O processo de sobreposição do cristianismo ao paganismo na Europa me chamava atenção, a resistência pagã, a feitiçaria e a caça às bruxas pela inquisição foram temas que me conduziram também ao entendimento de um processo ainda mais complexo que se deu na América com a chegada dos colonizadores cristãos. Ainda estudo muito essas questões, porque a colonialidade do poder e saber persiste fortemente em nossa cultura nas suas formas de demonização e discriminação das mulheres e das culturas pagãs, indígenas e afrodescentes. Tudo isso me revolta e sinto que não deve ser esquecido, porque é parte também da afirmação de nossas diferenças no presente. Como uma missão, sinto que não podemos deixar morrer as memórias de resistência à essa cristianização/colonização, ainda carregamos essa resistência no presente. 

EC – A sua voz trás todo um diferencial para sonoridade da banda. Sabemos que um vocal assim mais agressivo, tendedurante os anos a prejudicar as cordas vocais, o que definitivamente não é o seu caso. A cada lançamento a sua técnica vocal está melhor! Você tem algum cuidado especial com a sua voz?
Hécate – Tenho sim, mas algo bem básico, primeiro é importante que o corpo esteja bem, descansado e forte, porque a performance de vocal extremo exige muita força e energia. Durante os shows ou ensaio tomo bastante água em temperatura ambiente e o importante também é respirar, manter a concentração num ritmo de respiração e cantar numa zona de conforto própria, pra não causar lesão ou dor na garganta, com isso dá pra cantar até mais de duas horas.

EC- Quando o assunto é mulheres no metal, até hoje em dia é difícil pensarmos em muitos nomes no metal extremo.É inegável dessa forma, reconhecermos o seu papel nesse pioneirismo, como uma das mulheres percussoras no metal extremo, não só no Brasil quanto no mundo. Como você se sente em relação a isso? Já sofreu algum tipo de preconceito no meio?
Hécate – Tenho muito orgulho de estar entre as primeiras mulheres integrantes de bandas de metal extremo no Brasil. Não sofri diretamente nenhum tipo de preconceito, mas sei o quanto ele existe em relação às mulheres no metal extremo, e isso me incomoda muito, especialmente o fato de não acreditarem na nossa capacidade enquanto compositoras e letristas. Já hoje eu avalio que o Miasthenia sofreu e ainda sofre discriminações porque o nosso som foi identificado como Black Metal, e no Brasil a maior parte do público e da grande mídia metal tem aversão por esse estilo, ao contrário do que muitos pensam. E o pior, há mais ou menos 15 anos atrás uma parte da cena Black Metal nos criticava, porque falamos de cultura indígena em nossas letras. Enfim, o metal extremo de modo geral, como toda a nossa sociedade, não está totalmente livre de preconceitos e fundamentalismos.

EC - A banda completa 23 anos de carreira em 2017, estabelecendo-se como um dos pilares do nosso Black Metal. Como é conseguir manter por tantos anos, uma banda tão importante no cenário underground em conciliação com o mundo acadêmico?
Hécate – Não é nada fácil, é sempre uma luta e vivo muito estressada nessa conciliação. A carreira acadêmica exige muito de mim, sou professora universitária e tenho também que produzir pesquisas e escrever artigos, mas gosto muito disso e me realizo também nesse campo. Eu não esperava viver de música, ciente dos limites que no Brasil encontramos para as bandas de metal extremo, então me empenhei profissionalmente como historiadora. O Miasthenia sempre foi minha válvula de escape, um trabalho mesmo por prazer, mas que os empenhamos com certo compromisso e profissionalismo. A banda é extremamente necessária em nossas vidas, falo por mim e Thormianak que também compartilha desse sentimento.

EC - Recentemente a banda lançou o seu mais novo álbum o “Antípodas". Você poderia falar um pouco do processo de gravação e qual é o conceito do álbum? E aproveitando, podemos esperar novos clipes das músicas do “Antípodas”?   
Hécate – Já estamos preparando um novo vídeo clipe, em julho faremos as gravações. O processo de gravação dessa vez foi bem tranquilo, o Caio Duarte é um excelente produtor e já nos conhece bem, ele está cada vez mais experiente e isso, somado à nossa experiência, rendeu um álbum bem maduro e substancioso. Dessa vez as letras falam especialmente de guerreiras amazonas e seres “estranhos” que habitavam a região do grande rio Amazonas na época em que chegaram os colonizadores. ANTÍPODAS é uma palavra usada para designar uma região que é diametralmente oposta a outra, significando “o outro lado do mundo”, neste caso, a América Antiga vista pelos colonizadores cristãos nos séculos XVI e XVII. Esse universo que lhes parecia estranho e desconhecido, retratado em antigos mapas e crônicas, encontrava sentido nos mais antigos mitos e pesadelos dos invasores. Seres antípodas habitam esse imaginário, subvertendo e perturbando a norma, escapando assim à compreensão daqueles que os tentam dominar. Seres antípodas nos inspiraram essa poética de resistência na rota de expedições invasivas em busca do Eldorado.

EC – Na mesma semana do lançamento do “Antípodas”, vocês anunciaram o relançamento dos dois primeiros álbuns da banda o “XVI” (2000) e “Batalha Ritual” (2004), em formato Digipack Duplo. Como surgiu a ideia de relançarem esses álbuns?
Hécate – Já há muitos anos que estávamos querendo relançar esses álbuns esgotados na Somber Music records, então a Misanthropic acolheu a nossa ideia e finalmente o relançamento já está disponível para venda.

EC – Os álbuns do Miasthenia são conceituais, particularmente tenho uma grande curiosidade pelo conceito do “Legados do Inframundo” (2014). Esse talvez tenha sido um álbum que ampliou os ouvintes da banda, devido o lançamento dos clipes das músicas “Entronizados da Morte” e “13 AhuaKatún”. Você poderia falar um pouco do conceito do álbum e a receptividade que ele deve do público?
Hécate – De fato o lançamento dos dois vídeo clipes fizeram enorme diferença, promoveu um alcance maior de nossos sons. Além disso, nessa fase tivemos a oportunidade de realizar mais shows pelo Brasil já que a banda se tornou um trio desde 2012. Esse álbum fala de uma viagem ao reino dos mortos (Xibalba) para os antigos mayas, se baseia nos mitos do Popol Vuh e nos livros de Chilam Balam. É uma espécie de viagem espiritual e psicológica em linguagem mítica e que diz muito sobre outras de conceber a vida, a morte, a dor, as doenças, o sofrimento, o escuridão, o poder e a persistência no caminho de sua escolha.

EC –Esse ano a banda se apresenta pela primeira vez no sul de Minas Gerais no Festival Roça ‘n’Roll. Qual a expectativa para o show no Roça? O público pode esperar conhecer algumas músicas do “Antípodas” ao vivo?
Hécate – A expectativa é enorme e dessa vez deu certo, é um grandioso evento. Iremos tocar também algumas músicas do Antípodas.

EC- Mais uma vez muito obrigada pela entrevista, mal posso esperar para conferir o showde vocês no Roça ‘n’Roll. Vocês poderiam deixar uma mensagem para os nossos leitores do Elegia e Canto?
Hécate – Eu agradeço pelo seu interesse e apoio ao Miasthenia Daniela, e especialmente ao Elegia e Canto pela oportunidade de contar um pouco de nossa história e ideias. Força e honra sempre! Nosso novo álbum “Antípodas” está imperdível e pode ser adquirido no site da Mutilation (http://mutilationrec.loja2.com.br/7457838-MIASTHENIA-Antipodas). Aguardem “Memórias dissidentes de reinos malditos, libertando o passado, celebrando a dispersão, destronando o maniqueísmo, é o fim da história única, nos altares da resistência ancestral” (Bestiários Humanos, Antípodas). 

Ouça o primeiro single do álbum "Antípodas", a música "Ossário" também está presente na coletânea Queens of Noise:

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